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segunda-feira, 23 de março de 2015

Viva (Sequestro)

Entrar no quarto era como mergulhar no mais intenso breu; o único som que preenchia o ambiente era o silencio ensurdecedor, o suor era uma essência constante e a indiferença se fazia tão presente que já era considerada parceira de cativeiro. Andava de um móvel á outro sem tropeçar em absolutamente nada, fizera tantas vezes o caminho entre a porta e ela, e passava tanto tempo ali dentro que já havia decorado o lugar que cada objeto ocupava; ás vezes se permitia sair para comer, beber ou ir ao banheiro, e ás vezes esquecia-se completamente dessas limitações humanas e dedicava sua atenção inteiramente á ela. Tentou por vários dias conversar, agradar ou envolve-la, mas nada do que fazia era o suficiente para conseguir sua atenção; contra o silencio esmagador cantava, quando o desanimo reinava ele a presenteava e quando se sentia extremamente bondoso dava-lhe noticias do mundo; mas ela permanecia imóvel na cama evitando comer, beber ou respirar. Com o passar dos dias a pele dela deixou de ser macia, o cabelo agora sem cachos perdeu a cor, os olhos o brilho, os lábios a espessura que tanto o atraia e seu corpo as curvas que o impeliu a cometer esse sequestro. No terceiro mês, foi se compadecendo dela e a soltando aos poucos, tirou as correntes que lhe prendiam os braços agora finos demais, depois as que prendiam os calcanhares machucados, parou de lhe cortar as unhas que costumavam afundar em sua carne e por fim tirou-lhe a mordaça. Aos poucos ela foi se acostumando ao lugar e a sua presença, andava de um móvel a outro sem tropeçar em absolutamente nada, voltou a comer, beber, respirar e a falar; sua pele recuperou a maciez, o cabelo enrolado agora brilhava e o corpo novamente com curvas pertencia somente a ele nas noites de solidão. Passava os dias deitada em seu colo falando sobre si e seus sonhos que repentinamente passou a envolvê-lo; cantava quando o silencio era esmagador, presenteava quando o desanimo reinava e dava-lhe noticias do mundo quando se sentia extremamente bondosa.


quinta-feira, 19 de março de 2015

Liberdade (Semi-voo)

Certa vez, um homem dirigiu-se para a beira de um abismo, e cansado das neuras cotidianas despe-se e deixa-se cair sem medo nos braços do escuro, sem se importar com detalhes fúteis como: Onde iria parar! Ansiava a liberdade indecorosamente e por essa razão, quando sentiu o vento bater em seu rosto e envolver delicadamente seu corpo nu, fechou os olhos e saboreou cada pedaço amargo desse novo sentimento. Assim, deixou-se ficar por um tempo curtindo aquele salto que aparentava ser infinito, somente despertando desse estado de letargia quando seu corpo atinge violentamente o solo. Uma dor estonteante o invadiu quando os ossos de suas pernas, braços e tronco se quebraram; abre os olhos demoradamente sem poder pensar em nada, sem sentir medo e sem ver a vida passar diante de seus lindos olhos verdes; segundos depois se da conta de que ira morrer e isso o entristece profundamente; desejava poder aproveitar mais a sensação de liberdade que experimentara durante a queda, e embora a dor em seu corpo seja dilacerante, ainda assim a leveza do “quase voo” persiste em povoar a sua mente. De repente começa a rir desenfreadamente, estranhando não ver o peito subindo e descendo durante a respiração que entrecorta, o sorriso se formar nos cantos da boca e se alargar e a barriga sacudindo a cada espasmo do corpo. Adorava esse processo.  De qualquer forma, não conseguia conter essa vontade insana de rir, então continuou nessa tentativa dolorosa de felicidade gargalhando tão alto e tão forte quanto seu corpo quebrado permitia; parando somente quando o excesso de sangue o fez engasgar. Olhou para o alto a fim de enxergar o Céu, mas nada viu além da insistente escuridão, passou a língua nos lábios sentindo o gosto do sangue e da amargura que lhe adoçavam a boca e curtiu mais um pouco aquela sensação de paz. Momentos antes de morrer vê uma pena de sua própria asa planar e pousar em um dos cachos de seu comprido cabelo loiro dourado; tenta abri-las com o que resta de suas forças, mas só consegue balançar as pontas, e então falece, se perguntando por que nunca as usou. 

terça-feira, 17 de março de 2015

Amor (Someone for everyone)

A prostituta não tem valor significativo; desfila de um lado á outro na rua vendendo aquilo que possui de melhor, como um camelô desesperado ela se anuncia com afinco e veemência, e            quando sente que nada mais tem a oferecer simplesmente vende o corpo. Em geral a prostituta não tem alma; sacrifica seus amores, engole o choro obedientemente e mantem a boca sempre cheia e fechada; se for preciso ela força o sorriso e abdica do prazer pessoal. Jamais perde tempo porque tempo é dinheiro. Ás vezes é agredida por um ou cem, mas não há como saber se dói ou magoa porque ela não é como nós, feita de sentimentos, carne ou osso, não tem vontade própria, gosto ou opinião social. A prostituta não adoece, não vai ao banheiro, não sente ciúmes e também não sofre por desilusão amorosa; como bailarina em caixa de musica ela vive de ocasião, dançando silenciosamente quando lhe permitem e só se expõe na mídia dentro de um singelo caixão. A prostituta da prazer a quem pedir sem pensar em dizer não, mas tem as melhores roupas, a melhor tecnologia, frequenta as melhores festas e contempla os melhores céus; com olhos castanhos, verdes ou roxo; ela enxerga o mundo como uma enorme cama, então se deita em qualquer calçada, se espreguiça em qualquer bar e descansa eternamente em qualquer esquina. A prostituta não pertence a ninguém, ela é simplesmente um alguém para todos.