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domingo, 19 de junho de 2016

Miniconto - 09 (Caixa de música)

A janela de vidro revelava tudo. Os móveis imóveis delimitavam o seu espaço, as paredes escondidas embaixo de um papel florido, faziam a música ecoar por todo o cômodo, a porta de madeira antiga estava convenientemente fechada, não que se sentisse mais segura assim, mas é que tinha medo de que o som e a inspiração escapassem casa afora e se escondesse, ou se aninhasse em outro peito apaixonado. O tapete abrigava seus pés descalços que deslizavam, esfregavam em círculos ou desgrudavam em pulos somente para encontra-lo novamente...  no mp3 preto em cima da mesa a banda The Strokes tocava. Ela dançava tão gentil e confiante que para ele era como assistir a uma bailarina presa em sua caixa de música gigante. A pele negra em contraste com o “tutu” branco, os olhos castanhos misteriosamente escuros e o cabelo black alto faziam dela única e exótica, e ela gostava de ser assim, diferente do igual e livre para poder ser ela mesma, porque era isso que a fazia sorrir e dançar sempre mais e mais... A banda presa no comando de repetição do mp3 se empenhava em tocar cada vez melhor para ela, e ela se empenhava para dançar melhor para ele. Ele que nunca entrara na sala, que nunca se aproximara do vidro, que nunca tentou alguma forma de contato... ele, que todas as manhãs se posicionava na janela á observa-la com brilho nos olhos; parecia entender toda a sua arte, parecia merecer todo o seu ser, parecia dançar com ela em silencio e cantar junto o refrão que dizia:

...When i said “I can see me in your eyes”
(Quando eu disse, “eu posso me ver em seus olhos”

You said “I can see you in my bed”
(Você disse: “Eu posso te ver na minha cama”)

That’s not just friendship, that’s romance too
(Não é só amizade, isso é romance também)

You like music we can dance to...
(Você é como uma música que podemos dançar)...

domingo, 12 de junho de 2016

Prosa - 04

A cada dia me apego mais as “viralidades” do mundo,

Respiro fundo, para não perder esse vicio que me cerca
E que dita grande parte da minha rotina.
Amores virtuais cuidadosamente criados por um roteiro,
Em idiomas e canais diferentes.
Amigos de teclado,
Comidas friamente preparadas  que não satisfazem meus gostos,
Mas as escolho mesmo assim;
Fecho os olhos a cada gole e a cada mordida
Para sentir o gosto mecânico da culinária caseira que se fabrica em massa,
Em sacos,
Em latas,
Em potes...
Amores de Verão em pleno inverno,
Crianças que me sorriem com aceitação atrás de minhas lentes,
E eu fotografo a vida,
Fotografando o mundo,
As cenas,
As histórias escondidas.
Disfarçando as tristezas,
Forçando as alegrias...
Respiro fundo, para não perder esse vicio que me cerca...
Os amores de novela,
Os roteiros ensaiados de minha vida,

As histórias diárias que inventamos, enquanto fingimos ser felizes...

sábado, 4 de junho de 2016

Prosa - 03 (Anseios)

Tenho medo desse mundo que apaga histórias com imediatismos,

Um mundo frio e insensato que não aprecia a velha poesia,
Que faz questão de viver das ilusões criadas para consumir o agora,
e que olha para o futuro com olhos embaçados.

Tenho medo desse mundo louco onde um quarto escuro é a única saída,
Esse mundo onde o diferente não é mais que nada,
Medo dessa gente que aponta e julga,
rindo sem freios na cara da maldade, enquanto deseja fazer pior por quinze minutos de fama.

Tenho medo desse mundo onde o toque, o olhar e a necessidade de preencher o vazio com verbos e versos rasgados nos fazem parecer diferentes.
Onde o raro se guarda num pote.
Onde o amor é comprado em farmácia e tragado com água potável.

Tenho medo desse mundo onde minhas linhas não são bem vindas,
assim como minhas roupas, cabelo, cor de pele e maneira de viver...

Onde o existir é esse jogo de queimado, em que todos correm para não serem pegos, porque mais vale ser um zumbi aprisionado em impulsivas decisões, do que abrir a porta e contemplar o que ainda resta de concreto no nosso mundo.