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quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Natasha - 2

Segurava-a forte, como se toda a força que tivera na vida tivesse um propósito só agora, sentia sua respiração entrecortada e soluçante, que fazia o abraço sacudir e estremecer, mas matinha-se firme mesmo com a sensação de que o chão lhe estava faltando. Olhava pra ela como quem olha pra joia rara, e via dentro de seus olhos um mundo azul com milhões de possibilidades, uma mar de histórias vividas e não contadas, e mergulhou mesmo sem saber nadar, mas não teve medo, queria apenas se inundar e se tivesse sorte se afogaria também... mas hoje não era seu dia de sorte.
Hoje era só um dia!
Sua boca vermelha desde a meninice estava perdendo a cor, então usou um poema para pintar-lhe os lábios, e depois os beijou, estavam trêmulos e tentavam sussurrar-lhe promessas já há muito esquecidas, ouviu pacientemente quando teve que ouvir, e beijou quando teve saudade ou medo; trocaram segredos, risadas salgadas de lágrimas tristes, e recordaram as inúmeras alegrias, se demorando um pouco mais nessas... e as horas passaram apagando as estrelas que assistiam com paixão ardida e paciência. 
Quando o Sol surgiu ela se foi, sutil e bela, roubando a cena de tal espetáculo natural, e ele ficou ali vazio de si e cheio dela, e sua alma transbordava, e escorria por seu rosto e repousava delicadamente no rosto já sem vida dela. 

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Paloma - 2

No sofá Paloma observa a chuva. Seu cobertor escorregava do ombro pela terceira vez, e ela o recolocava no lugar pacientemente, segurava uma caneca com chá e saboreava cada gole ouvindo a melodia da chuva que batia insistentemente na janela; ás vezes desviava os olhos para olhar para Léo que lia absorta Hilda Hilst, gostava desses momentos em que faziam coisas diferentes e juntas, gostava mais ainda de ficar deitada em seu colo, era quente, aconchegante e por coincidência ou não ela se encaixava perfeitamente nele. Isso também acontecia dentro de seu abraço; não era muito apertado, mas não era solto demais, não era gelado, mas também não era abafado, não sobravam braços e tampouco lhe faltava... era cheiroso... era perfeito. Então passava parte de seu tempo livre ali, perdida em abraços, sorrisos, sonhos e desejos. É boa, a vida. É plena, com ela! Se um dia fora tão feliz não lembrava, tampouco lembrava se já tinha gostado tanto de alguém assim, mas achava isso normal porque quando estava com Léo não se lembrava de muita coisa, apenas se concentrava em seu sorriso de satisfação enquanto lia, seus olhos castanhos seguindo os versos dos poemas, a respiração calma e controlada, o coração que batia por ela e as mãos que distraídas lhe faziam ternas caricias. Passeavam desinteressadas e suaves em seu rosto, contornando as linhas de expressão, sobrancelhas, nariz, orelha e se demorando um pouco na boca antes de recomeçar, então Paloma suspirava de satisfação e voltava a olhar á chuva. Quando estava quase adormecendo, sentia Léo tirar a caneca de suas mãos quentes, inclinar-se e surpreende-la com um doce beijo nos lábios, recitava em tom de segredo um poema e colocava a mão no coração de Paloma para senti-lo disparar de amor e alegria, depois fechava o livro e a esperava adormecer sorrindo, olhava-a por um longo tempo e quando o cobertor escorregava de seu ombro o colocava pacientemente no lugar, saboreava cada gole do chá que sobrara na caneca, ouvindo a melodia de seu ressonar. Amava esses momentos em que faziam coisas diferentes e juntas e se fora tão feliz um dia, ou se já gostou tanto de alguém não se lembrava, mas considerava isso normal porque quando estava com Paloma não se lembrava de muita coisa. É boa, a vida... É plena, com ela.

quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Marissa - 1

A música tocava com suavidade enquanto ela dançava no meio da sala, valsava entre um verso e outro, e eu pobre vitima do amor olhava pra ela e só via poesia. Poesia em seus gestos, momentos, movimentos, olhar, temperamento, sorrisos e sentimentos, e ela dançava na sala, e seu cabelo voava e eu absorto sorria, e o mundo inteiro poesia. O mundo inteiro nela poesia... e eu escrevia. Poesia lírica, dramática e narrativa. Poesia! Ás vezes, e só às vezes ela me abraçava em poesia concreta, e o mundo inteiro mudava e enternecia; e eu pobre poeta interagia. E uma parte de mim amava e a outra parte de mim vivia, e quando a música acabava, ela, linda poesia.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Natasha - 1

O mundo parou! Era só ele olhar pra ela que isso acontecia, então as pessoas, os sons, os objetos e as cores desapareciam, o mundo inesperadamente parava de girar e dava pra sentir um incomodo desenfreado. Sentia a necessidade urgente de fazer algo para reencontrar o equilíbrio e manter-se são, então tentava de tudo, sorrir, acenar, conversar, trocar olhares ou qualquer outro movimento que a fizesse nota-lo. 
Outro dia sem planejamento prévio, dera a ela uma carta com a poesia mais intensa que já escrevera, ele se doou em cada linha, e por isso esperou pacientemente que ela o lesse; foi possível ver a lágrima surgir e o amor acender seu olhar, e ela finalmente o viu, e o ouviu, e sorriu com toda a simpatia e amabilidade que tinha em si, e o abraçou tempo suficiente para deixar seu cheiro nas roupas dele, e o acarinhou e passeou seus dedos em seus lábios para gravar seu sorriso, e o beijou intensamente como se fosse a unica maneira de transmitir todos os seus sentimentos, e ele a mordeu nos lábios para gravar-lhe o gosto. Respiraram e suspiraram juntos, e se consumaram e se consumiram, e gastaram todo o sentimento que estava guardado para uma ocasião especial, e o amor inflamou, e depois se apagou com a mesma intensidade e instantaneidade com a qual apareceu. Sem motivos ou objetivos.
E ela se foi levando consigo as promessas, os desejos, os versos e os verbos delicadamente compostos, e antes de fechar a porta dedicou-lhe um último olhar, sem culpa, sem medo, sem remorso... sem amor. E ele se deixou ficar ali, vazio de si e cheio de sentimentos, o olhar apagado e o desejo aceso; seu mundo voltando a girar desgovernadamente como uma roleta russa... sem saber ao certo a melhor ocasião de parar.