Primeiro Dia: A morte.
Tudo parecia confuso, meu tímpano
ainda vibrava com a força da onda sonora que serviu de mensageira fúnebre,
sempre pensei que tal noticia se desse de forma especial, mas nesse caso foi
feio e grosseiro; tão rude quanto o próprio acontecimento. Quando cheguei o corpo ainda estava no chão, seu
comprido cabelo loiro avermelhado indevidamente tingido de vermelho-sangue, a pele alva e
salpicada de nascença fazia contraste com o piso preto, seus olhos castanhos miravam
o vazio com desejo ardente enquanto a boca entreaberta convidava para o mais
intimo segredo. Num impulso coloquei minha orelha próxima a seus lábios; esperava
ouvir um ultimo sussurro, mas esse já me tinha sido roubado, segurei suas mãos
entre as minhas numa ultima tentativa de união, fechei seus olhos, também fechei
os meus e finalmente lhe dediquei um minuto incomodo de silencio quando a beijei.
Segundo Dia: A fuga.
Corria as cegas pela calçada
vazia, o vento forte levava docemente minhas lagrimas, deixando somente a magoa.
Eu fugia sem rumo levando comigo só a obstinação. Às vezes olhava para trás, às
vezes olhava para os lados, queria garantir que ninguém me seguiria; cada olhar
uma paranoia e cada passo uma nova expectativa que me conduzia ao nada, mesmo
assim me sentia confiante, deixava para traz o desespero, a tristeza, a agonia,
a solidão e qualquer outro sentimento que me amarrasse ao passado. Fugia de mim
mesmo e ainda assim me sentia livre... Finalmente livre! Livre! Repetia para me
convencer enquanto corria cada vez mais rápido. De repente tropecei numa pedra
e cai violentamente no chão, o ar me faltou por alguns segundos e meu nariz
doía (não mais que meu ego), o desespero me oprimia. Virei de costas para o
chão tentando decifrar o Céu, as nuvens assumiam formas estranhas aquele dia,
um gato, um navio e um homem deitado olhando para o alto. A calçada estava vazia,
sem plateia para ajudar ou vaiar, meu espetáculo tinha sido um fiasco e minha
camisa estava molhada. Sangue? Não... Era só a agua da rua; escorria da
calçada para a sarjeta e desta para o bueiro
levando minha
felicidade,
minha esperança
e minha confiança.
Voltei pra casa; ainda tinha minha solidão.
Terceiro Dia: A
rotina.
Viver tornara-se um martírio; eu
não podia ou não mais queria acompanhar aquela dinâmica enjoativa, pessoasconversasandançasrotinaconvivencia
pausa pessoasconversasandançasrotinaconvivencia.
O mundo era um Carrossel infernal, sem musica, sem risos, sem luzes, sem cor e
eu com ganas de desligar. Tentava sonhar desesperadamente enquanto dormia e também
tentava quando acordava, mas sonhar não era mais fácil e continuar sem ela também
não. Procurava sua delicadeza nas flores, nos perfumes sua essência e no
arco-íris suas cores, mas nada no mundo se equiparava a ela. Sumira por
completo! Era como quando era casada comigo; não existia. Em desespero invadi o
local de sua morte; seu cheiro ainda pairava no ar e o contorno de seu corpo jazia
mal feito no chão, eram as únicas coisas que me restava. Deitei ao lado do
desenho com a esperança de que ela aparecesse de repente e me abraçasse, mas apenas
a vida me abraçara, cada vez mais forte, cada vez mais intensa e cada segundo
mais sufocante. Fui embora com a urgência de um amante flagrado!
Quarto dia: A
livraria.
Ainda me sentia desanimado mais
precisava sair de casa, fazer algo além de contemplar o teto branco, nos
últimos três dias essa tinha se tornado a minha atividade mais frequente, ao
ponto de branco se tornar minha cor preferida; talvez porque não inspire nada, ou
talvez por ter me acostumado a olhar. Meus olhos arderam com a saudação da Luz
e meus ouvidos reagiram da mesma forma com o som da vida, inspirei fundo e me
nauseou o cheiro do mundo, carros, cigarros, prostitutas, incêndio... Quem
podia sentir falta disso? Eu podia! Entrei em uma livraria, precisava de cinco
ou seis títulos que me distraíssem, ou que servissem de desculpas para me
encarcerar novamente; as opções eram infinitas. Passeava entre as palavras e me
atracava hora com frases, hora com citações; às vezes ouvia os versos sussurrados
pelos amantes dos livros e depois tentava eu mesmo sussurra-los, parecia minha
primeira vez na cidade grande. Tentava me perder entre as estantes, mas só me
perdia em mim, por isso quando a vi já era tarde demais, embora ela tenha me
visto em tempo. Olhamo-nos rapidamente e depois nos demoramos, mas ela já
estava de saída e a atendente começara a me ajudar. Eu queria muito lhe sorrir,
mas não soube como fazer, e ela ficou na porta, parada, me olhando insistente e
esperando por algo que eu não soube lhe dar. Provavelmente queria aquele
sorriso mais do que eu. Deu de ombros e saiu. A atendente acompanhava a cena
enquanto empacotava os livros, em seguida me deu o troco, a nota e uma
informação: - Seu nome é Sabrina e ela voltará
amanha as 10h00min AM. Fingi não ouvir, estava
cansado demais pra ter esperanças.
Quinto dia: A
Necessidade
A necessidade dela me invadiu
essa manha antes mesmo dos primeiros raios de Sol, não se preocupou com
educação e sem cerimonias foi me adentrando; do topo da cabeça á planta dos pés
se acomodou sem explicar os motivos de fazer-se presente; implantou ideias,
destilou sugestões, culminou lembranças e semeou a saudade. Instalou-se
sorrateiramente e logo tornou-se emergente. Hora se fez real, hora feito
ilusão; a necessidade transformava-se para meu prazer, se satisfazendo e me
inibindo. Amante dos jogos de solidão ela revelou-se; intensa e única esfregava
em mim seus longos cabelos ruivos, olhos castanhos vivos, sardas espalhadas por
todo o corpo pálido e sorriso encantadoramente vermelho. Agarrei-me a essa
solida ilusão com ganas, e rendido fui me deixando seduzir; suas garras passeando
por meu corpo e me envolvendo caprichosamente, acalmando minha mente confusa, selando
meus lábios vermelhos, acariciando meu liso cabelo negro e cegando meus olhos
verdes. Desesperado de amor vou me deixando morrer sem resistência, devagar,
deliciosa e delicadamente vou me unindo a ela quebrando a tristeza; findando
minha rotina de lamurias como um verso vazio de poeta fingidor, que deita pra
um descanso e falece afogado em seu miserável amor.
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