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segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Cinco dias sem ela (Jogos de Solidão)

Primeiro Dia: A morte.
Tudo parecia confuso, meu tímpano ainda vibrava com a força da onda sonora que serviu de mensageira fúnebre, sempre pensei que tal noticia se desse de forma especial, mas nesse caso foi feio e grosseiro; tão rude quanto o próprio acontecimento.  Quando cheguei o corpo ainda estava no chão, seu comprido cabelo loiro avermelhado indevidamente tingido de vermelho-sangue, a pele alva e salpicada de nascença fazia contraste com o piso preto, seus olhos castanhos miravam o vazio com desejo ardente enquanto a boca entreaberta convidava para o mais intimo segredo. Num impulso coloquei minha orelha próxima a seus lábios; esperava ouvir um ultimo sussurro, mas esse já me tinha sido roubado, segurei suas mãos entre as minhas numa ultima tentativa de união, fechei seus olhos, também fechei os meus e finalmente lhe dediquei um minuto incomodo de silencio quando a beijei.

Segundo Dia: A fuga.
Corria as cegas pela calçada vazia, o vento forte levava docemente minhas lagrimas, deixando somente a magoa. Eu fugia sem rumo levando comigo só a obstinação. Às vezes olhava para trás, às vezes olhava para os lados, queria garantir que ninguém me seguiria; cada olhar uma paranoia e cada passo uma nova expectativa que me conduzia ao nada, mesmo assim me sentia confiante, deixava para traz o desespero, a tristeza, a agonia, a solidão e qualquer outro sentimento que me amarrasse ao passado. Fugia de mim mesmo e ainda assim me sentia livre... Finalmente livre! Livre! Repetia para me convencer enquanto corria cada vez mais rápido. De repente tropecei numa pedra e cai violentamente no chão, o ar me faltou por alguns segundos e meu nariz doía (não mais que meu ego), o desespero me oprimia. Virei de costas para o chão tentando decifrar o Céu, as nuvens assumiam formas estranhas aquele dia, um gato, um navio e um homem deitado olhando para o alto. A calçada estava vazia, sem plateia para ajudar ou vaiar, meu espetáculo tinha sido um fiasco e minha camisa estava molhada. Sangue? Não... Era só a agua da rua; escorria da calçada para a sarjeta e desta para o bueiro
                        levando minha felicidade,
                                                                       minha esperança  
                                                                                                       e minha confiança.
                                                                                       Voltei pra casa; ainda tinha minha solidão.


Terceiro Dia: A rotina.
Viver tornara-se um martírio; eu não podia ou não mais queria acompanhar aquela dinâmica enjoativa, pessoasconversasandançasrotinaconvivencia pausa pessoasconversasandançasrotinaconvivencia. O mundo era um Carrossel infernal, sem musica, sem risos, sem luzes, sem cor e eu com ganas de desligar. Tentava sonhar desesperadamente enquanto dormia e também tentava quando acordava, mas sonhar não era mais fácil e continuar sem ela também não. Procurava sua delicadeza nas flores, nos perfumes sua essência e no arco-íris suas cores, mas nada no mundo se equiparava a ela. Sumira por completo! Era como quando era casada comigo; não existia. Em desespero invadi o local de sua morte; seu cheiro ainda pairava no ar e o contorno de seu corpo jazia mal feito no chão, eram as únicas coisas que me restava. Deitei ao lado do desenho com a esperança de que ela aparecesse de repente e me abraçasse, mas apenas a vida me abraçara, cada vez mais forte, cada vez mais intensa e cada segundo mais sufocante. Fui embora com a urgência de um amante flagrado!

Quarto dia: A livraria.
Ainda me sentia desanimado mais precisava sair de casa, fazer algo além de contemplar o teto branco, nos últimos três dias essa tinha se tornado a minha atividade mais frequente, ao ponto de branco se tornar minha cor preferida; talvez porque não inspire nada, ou talvez por ter me acostumado a olhar. Meus olhos arderam com a saudação da Luz e meus ouvidos reagiram da mesma forma com o som da vida, inspirei fundo e me nauseou o cheiro do mundo, carros, cigarros, prostitutas, incêndio... Quem podia sentir falta disso? Eu podia! Entrei em uma livraria, precisava de cinco ou seis títulos que me distraíssem, ou que servissem de desculpas para me encarcerar novamente; as opções eram infinitas. Passeava entre as palavras e me atracava hora com frases, hora com citações; às vezes ouvia os versos sussurrados pelos amantes dos livros e depois tentava eu mesmo sussurra-los, parecia minha primeira vez na cidade grande. Tentava me perder entre as estantes, mas só me perdia em mim, por isso quando a vi já era tarde demais, embora ela tenha me visto em tempo. Olhamo-nos rapidamente e depois nos demoramos, mas ela já estava de saída e a atendente começara a me ajudar. Eu queria muito lhe sorrir, mas não soube como fazer, e ela ficou na porta, parada, me olhando insistente e esperando por algo que eu não soube lhe dar. Provavelmente queria aquele sorriso mais do que eu. Deu de ombros e saiu. A atendente acompanhava a cena enquanto empacotava os livros, em seguida me deu o troco, a nota e uma informação: - Seu nome é Sabrina e ela voltará amanha as 10h00min AM. Fingi não ouvir, estava cansado demais pra ter esperanças.

Quinto dia: A Necessidade

A necessidade dela me invadiu essa manha antes mesmo dos primeiros raios de Sol, não se preocupou com educação e sem cerimonias foi me adentrando; do topo da cabeça á planta dos pés se acomodou sem explicar os motivos de fazer-se presente; implantou ideias, destilou sugestões, culminou lembranças e semeou a saudade. Instalou-se sorrateiramente e logo tornou-se emergente. Hora se fez real, hora feito ilusão; a necessidade transformava-se para meu prazer, se satisfazendo e me inibindo. Amante dos jogos de solidão ela revelou-se; intensa e única esfregava em mim seus longos cabelos ruivos, olhos castanhos vivos, sardas espalhadas por todo o corpo pálido e sorriso encantadoramente vermelho. Agarrei-me a essa solida ilusão com ganas, e rendido fui me deixando seduzir; suas garras passeando por meu corpo e me envolvendo caprichosamente, acalmando minha mente confusa, selando meus lábios vermelhos, acariciando meu liso cabelo negro e cegando meus olhos verdes. Desesperado de amor vou me deixando morrer sem resistência, devagar, deliciosa e delicadamente vou me unindo a ela quebrando a tristeza; findando minha rotina de lamurias como um verso vazio de poeta fingidor, que deita pra um descanso e falece afogado em seu miserável amor.

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