O nascer do Sol só fazia aumentar
sua aflição, passara dois anos sonhando com esse momento e agora que estava por
acontecer não sabia como fazer, pensou em agir naturalmente mas estava
desesperada demais para tal coisa; afinal de contas iria
revê-la. Antes de sair do carro olhou-se
mais uma vez no espelho alisando repetidamente o comprido cabelo negro com a
palma da mão; retocou a base no rosto branco, conferiu o brinco, repintou o
lápis nos olhos e ajeitou o relógio que ela lhe dera de presente em seu 21º
aniversario. Entrou no prédio onde ela morava, atravessou o saguão, enviou-lhe
um sms para avisar que estava subindo e roboticamente chamou o elevador;
esperava em frente á porta do elevador batendo o pé direito no chão num ritmo
imaginário, enquanto os dedos da mão esquerda tamborilavam em seu quadril
seguindo o mesmo ritmo, de vez em quando ajeitava o cabelo atrás das orelhas
sem se dar conta do próprio ato. Entrou no elevador perdida em si mesma.
Sentia que sua impaciência aumentava
de forma incontrolável, tinha a impressão de que demoraria uma eternidade para
chegar ao 15º andar, suas mãos suavam, suas pernas tremiam, seu peito apertava,
os dentes roíam violentamente as unhas, o ar lhe faltava e seu coração batia
tão forte que lhe doía o peito; todas as lembranças que guardara das duas juntas
se remexiam em sua mente e a deixava desnorteada. Seguia nessa crise de
ansiedade crescente quando o elevador teve uma falha técnica; estava tão
envolta em seus sentimentos que demorou um tempo para perceber que ficara presa
exatamente no 15° andar. Fitou firmemente o painel de vidro e esperou que a porta
abrisse, mas nada aconteceu; o elevador permaneceu imóvel, estático como seu
amor por ela e estagnado como sua doce ilusão. Uma gota de suor passeou por sua
espinha vertical, tremeu no momento em que seu deu conta de sua triste
situação, - Estou presa na droga do
elevador., constatou em voz alta e com olhos verdes arregalados.
Duas horas depois respirava com
dificuldades. Estava sufocando; a caixa metálica que media L.1100 mm x P.1400
mm a mantinha encarcerada e longe de seu único amor, esperara muito para
revê-la e agora mesmo perto parecia imensamente longe. Sentiu-se idiota ao
lembrar que se separara dela quando descobriu que era uma porn star; não podia
dividi-la mesmo sabendo que não se deitava com outros por amor; abandonou-a sem
prévio aviso, e jamais pôde esquecê-la. Encostou-se na parede procurando apoio
quando o painel, o corrimão, o espelho e as portas começaram a girar juntos,
transformando-se num carrossel infernal, apoiou as mãos nos joelhos, o lugar
estava cada vez mais quente e as lembranças se debatiam nas paredes de sua
mente. Lembrava-se de ouvir mensagens de amor deixadas diariamente na caixa
postal, e pedidos de desculpas desesperados; eram sinceros e carregados de
saudade e pesar, doía-lhe ouvir a voz tão chorosa, mas era orgulhosa demais
para admitir que também a queria de volta. Dois meses depois as declarações e
as desculpas cessaram, e para seu total desespero ela sumira de vez; procurou-a
por dois anos se sucesso, e já estava decidida a desistir quando finalmente conseguiu
seu numero de celular; ficou surpresa em perceber que ela não lhe guardara
magoas, então marcou de ir em seu apartamento na manhã seguinte, e desde então
não pôde mais se concentrar, comer ou dormir. Ainda
estava apaixonada.
O suor e as lagrimas
escorriam-lhe pela face borrando a maquilagem feita com esmero, o ar foi
tornando-se cada vez mais difícil de consumir e sua visão cada vez mais turva,
ajoelhou-se levando uma mão ao peito e apoiando a outra no chão, - Falta pouco para abraça-la., dizia a si
mesma repetidamente tentando manter a calma; de repente a doce voz de Christine
soou do outro lado fazendo com que a
ansiedade a invadisse por completo; deitou virada para a porta sem poder mais sustentar
o peso do próprio corpo, o peito doía por conta da ausência de ar, engolia em
seco e chorava com a intensidade que lhe era permitida; antes de perder
completamente a consciência ouviu a porta do elevador abrir, e um segundo
depois pôde assistir Christine gritar em pânico ao vê-la caída ; com o que lhe
restava de energia construiu um cansado sorriso e satisfeita desfaleceu sem
urgência.
Quando finalmente abriu os olhos,
estava no quarto e na cama de Cristine; assustada, tentou-se levantar mas foi
impedida pelo cansaço, então virou para a esquerda e a viu sentada a seu lado; o
rosto pálido, sardento e carregado de preocupação estava próximo o suficiente
para um beijo doce e desavisado; estar assim tão perto aumentava a necessidade
que vinha sentindo dela desde as 03h00min AM, diminuía sua ansiedade
descontrolada e aplacava o louco palpitar de seu coração. Podia sentir seu
hálito de chiclete de menta, seu cheiro natural, curtir a pele macia enquanto
ela segurava sua mão e se espelhar em seus olhos castanho claro. Ela era
sublime!
Respirou fundo e contemplou-a
pacientemente como se a visse pela primeira vez, se prendeu em detalhes
objetivando gravar na retina cada pedaço de seu ser, viu-a suspirar de prazer
inegável quando rapidamente lhe contornou os lábios com dedos impacientes; e
quase enlouqueceu de satisfação quando em seguida ela lhe tracejou cada linha do
rosto com o dedo indicador. Sem poder se conter beijou-a delicadamente no rosto
e enroscou as mãos tremulas em seu cabelo ruivo, em seguida abraçou-a docemente
e quase enlouqueceu de tanta saudade; suas aflições e lembranças às
abandonaram, permitindo que novas memorias fossem construídas a partir de ali. -
Eu te amo!
A frase dita quase ao mesmo tempo pelas duas ecoou por todo o quarto, se espalhando
no ar e rebatendo nas paredes preenchendo todo o local em segundos; a magoa, o
ressentimento, a desconfiança, a frustração e a decepção foram esquecidos no
momento em que elas se beijaram; sem culpa sanaram a saudade, e entre olhares e
abraços dormiram satisfeitas.
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