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quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Os dizeres

Voltava do enterro com o coração partido, a aliança ainda no dedo anelar da mão esquerda parecia ter 200 quilos agora, mas ainda assim não queria tira-la, tentava manter-se forte por isso não derramara nenhuma lagrima desde que vira o corpo no chão. Andava sem rumo dentro do apartamento indo de um cômodo a outro sem objetivos e evitando a todo custo o quarto do casal; o terno preto que usara no enterro o estava sufocando, e sem opções enfrentou por fim o aposento. Tudo estava igual. A cama arrumada, as roupas dobradas, os casacos pendurados e os chinelos alinhados lado a lado; abalado sentou-se na cama do lado onde ela dormia, e quando se inclinou para cheirar o travesseiro viu a carta em cima do criado mudo, hesitou um momento antes de tocar no que poderia ser seus últimos dizeres; ainda não se sentia preparado para aceitar a morte dela. Fechou os olhos respirando fundo e pegou a carta prendendo o ar involuntariamente. Olhou em volta e a lembrança dos últimos momentos que estiveram juntos no apartamento o tomou de assalto. Era insuportável!
-Mas é meu aniversario!, a exclamação soou quase inaudível. Fingindo não ouvir ele pegou as malas, beijou-a roboticamente nos lábios e saiu do apartamento em silencio e determinado a viajar. Do elevador pôde vê-la encostada no batente da porta com uma carta na mão, seus olhos castanhos e tristes o encarava, a boca apertada segurando um ultimo protesto e a mão parada no ar como se tentasse alcança-lo. Tentou dizer-lhe algo mas desistiu, abaixou a mão e limitou-se a deixar as lagrimas se manifestar por ela, então a porta do elevador se fechou bruscamente, interrompendo o momento intimo e desagradável. 
Vinte e cinco minutos depois ele ainda estava sentado na cama, imóvel e perdido em amargas lembranças, segurava a carta com a mão esquerda como quem tenta segurar o ultimo fio de vida, enquanto a mão direita tentava em vão socorrer as lagrimas que despudoradamente lhe descia a face; e assim deixou-se ficar por mais um tempo até esgotar toda a sua angustia. Quando finalmente se acalmou desdobrou o papel com cautela, esperava ler algo que justificasse aquele aparente suicídio, talvez um pedido de desculpas ou uma reclamação... Quem sabe uma declaração! Leu e deixou-se magoar aos poucos, abaixou a cabeça, encurvou as costas e soltou os ombros; o peso do corpo de repente tornara-se insustentável, então largou-se de vez na cama desejando não mais poder acordar. Inocentemente, a carta planou da mão ao chão despercebida e caiu aberta como se não mais pudesse guardar seus segredos; em letras perfeitamente desenhadas ela revelava os dizeres que lhe arrebatou a alma: “Let this reach you and keep you warm; my love hasn’t budged. Come home! Karli.”.

(Deixe alcançar e manter você aquecido; meu amor não se mexeu. Volta pra casa!)

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