Quente
tarde de Setembro nesta metrópole comedora de gentes que é São Paulo. Tornei-me
mais uma das milhões de quimeras que coexistem comigo. Sou um poema totalmente
diferente dos demais. Sou uma poesia não escrita e sem intérpretes. Sou um
fragmento do imaginário que se concretiza na plenitude das alucinações. Fui
subvertendo-me integralmente e afastando de tudo para me encontrar. Na busca de
me entorpecer embebi toda a minha alma nas blandícias seculares a fim de
compreender as buscas inauditas dos homens. Queria ser como os demais. Queria,
eu juro, ser como o bonde de pueris ignóbeis que nem amadureceram, mas já se
embalsamam em uísques baratos, cigarros falsificados e vinhos de boteco. Tentei
de maneira cega não ver a loucura sórdida desse mundo sem pé e sem cabeça: maldição da minha terra circular. Nunca
sei onde começa ou onde há de terminar. Todavia, afastei-me de todos os meus
sonhos e como se bebesse com Descartes neguei todas as minhas verdades (fé,
inclusive) para experimentar todos os mandamentos imperiais dos meus iguais
(que conseguiam ser mais diferentes que qualquer outra espécie).
Deitei-me com esse grupo ensurdecedor de ensandecidos nos fatídicos discursos
panegíricos insípidos e não consegui de maneira alguma ver algo que me
preenchesse. Assisti de perto (e participei de algumas) festas de
embrutecimento da alma e minha existência foi se diminuindo tanto que deixei de
existir. Sim, isso é possível. A inexistência ocorre quando persisto sendo como
não sou. Bebi noites atrás de noites e despojei-me de todos os meus limites
morais, éticos e alguns legais. Recordo-me de madrugadas de insônia e do
dedilhar de um piano velho. Era mais uma noite paulistana. E eu: uma poesia
repetida. Queria ser um verso de Bukowski, mas nunca fui. Após tantos séculos
preso na cadeia de buscas inócuas decidi buscar a mim mesmo. Eu era
simplesmente aquilo que neguei. Fui me identificando naquilo que ninguém quis
ser. Era sou a poesia não escrita no banco do velho jardim. Fui afastando os
espaços e aproximando as distâncias até sentir dentro de mim o toque repentino
da fênix, o galope irrefreável do velho pegasus, a mensagem secreta de Hermes,
as setas clandestinas do Cupido. É estranho. Quando nas balburdias das
aventuras juvenis deitei-me com a multidão de meus pecados a fim de execrar
toda a ojeriza que eu tinha no homem, eu me encontrei. O caminho prosseguiu
calmo e eu já não tinha mais nada a buscar. A vida me dera tudo que um homem
podia esperar. Quase tudo, na verdade. Passei dos versos repetidos à poesia
inédita na quente noite de nosso encontro. Quando te busquei nas insanas noites
de alucinação, quando de procurei nos botecos acinzentados dessa prostituta
urbana ou quando te esperei nas sarjetas entupidas de destilados... Você não me
apareceu. Contudo, quando meus nortes se direcionaram as buscas totalmente
diversas e quando eu já havia encontrado em mim mesmo razões totalmente
alienígenas de existência, você me tocou os olhos e me aveludou o espírito.
Hoje, ao olhar pela janela, vou contemplando a cidade de uma maneira diferente,
pois ela me deu você quando dela eu me enfurecia. Eis, portanto, fascinante
ironia: São Paulo foi minha primeira professora do bem cego, ou seja, do bem
praticado para aquele que te repugna. Aprendi contigo que o rebelde tempo é
prudente professor, só me concede aquilo que quero quando tenho a maturidade
que preciso. Hoje já não posso me chamar poeta. Já não tenho os dramas dos
demais, porque troquei a montanha-russa de emoções pela serenidade da prosa que
me deste com o teu olhar...
terça-feira, 16 de setembro de 2014
Monólogo do ex-poeta (por Ygor Pierre Piemonte Ditão)
Postado por Tempus em terça-feira, setembro 16, 2014 com Sem comentários
Categories: Espaço: Amigos escritores
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