RSS
Facebook
Twitter

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Monólogo do ex-poeta (por Ygor Pierre Piemonte Ditão)

Quente tarde de Setembro nesta metrópole comedora de gentes que é São Paulo. Tornei-me mais uma das milhões de quimeras que coexistem comigo. Sou um poema totalmente diferente dos demais. Sou uma poesia não escrita e sem intérpretes. Sou um fragmento do imaginário que se concretiza na plenitude das alucinações. Fui subvertendo-me integralmente e afastando de tudo para me encontrar. Na busca de me entorpecer embebi toda a minha alma nas blandícias seculares a fim de compreender as buscas inauditas dos homens. Queria ser como os demais. Queria, eu juro, ser como o bonde de pueris ignóbeis que nem amadureceram, mas já se embalsamam em uísques baratos, cigarros falsificados e vinhos de boteco. Tentei de maneira cega não ver a loucura sórdida desse mundo sem pé e sem cabeça: maldição da minha terra circular. Nunca sei onde começa ou onde há de terminar. Todavia, afastei-me de todos os meus sonhos e como se bebesse com Descartes neguei todas as minhas verdades (fé, inclusive) para experimentar todos os mandamentos imperiais dos meus iguais (que conseguiam ser mais diferentes que qualquer outra espécie). Deitei-me com esse grupo ensurdecedor de ensandecidos nos fatídicos discursos panegíricos insípidos e não consegui de maneira alguma ver algo que me preenchesse. Assisti de perto (e participei de algumas) festas de embrutecimento da alma e minha existência foi se diminuindo tanto que deixei de existir. Sim, isso é possível. A inexistência ocorre quando persisto sendo como não sou. Bebi noites atrás de noites e despojei-me de todos os meus limites morais, éticos e alguns legais. Recordo-me de madrugadas de insônia e do dedilhar de um piano velho. Era mais uma noite paulistana. E eu: uma poesia repetida. Queria ser um verso de Bukowski, mas nunca fui. Após tantos séculos preso na cadeia de buscas inócuas decidi buscar a mim mesmo. Eu era simplesmente aquilo que neguei. Fui me identificando naquilo que ninguém quis ser. Era sou a poesia não escrita no banco do velho jardim. Fui afastando os espaços e aproximando as distâncias até sentir dentro de mim o toque repentino da fênix, o galope irrefreável do velho pegasus, a mensagem secreta de Hermes, as setas clandestinas do Cupido. É estranho. Quando nas balburdias das aventuras juvenis deitei-me com a multidão de meus pecados a fim de execrar toda a ojeriza que eu tinha no homem, eu me encontrei. O caminho prosseguiu calmo e eu já não tinha mais nada a buscar. A vida me dera tudo que um homem podia esperar. Quase tudo, na verdade. Passei dos versos repetidos à poesia inédita na quente noite de nosso encontro. Quando te busquei nas insanas noites de alucinação, quando de procurei nos botecos acinzentados dessa prostituta urbana ou quando te esperei nas sarjetas entupidas de destilados... Você não me apareceu. Contudo, quando meus nortes se direcionaram as buscas totalmente diversas e quando eu já havia encontrado em mim mesmo razões totalmente alienígenas de existência, você me tocou os olhos e me aveludou o espírito. Hoje, ao olhar pela janela, vou contemplando a cidade de uma maneira diferente, pois ela me deu você quando dela eu me enfurecia. Eis, portanto, fascinante ironia: São Paulo foi minha primeira professora do bem cego, ou seja, do bem praticado para aquele que te repugna. Aprendi contigo que o rebelde tempo é prudente professor, só me concede aquilo que quero quando tenho a maturidade que preciso. Hoje já não posso me chamar poeta. Já não tenho os dramas dos demais, porque troquei a montanha-russa de emoções pela serenidade da prosa que me deste com o teu olhar... 

0 comentários:

Enviar um comentário